Sobre o Design - Parte IV

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Como já tinha dito, agora eu quero polemizar…

Calma gente, vamos devagar.

Guardem seus tomates para o fim do texto [sem pedras, por favor].

Leiam tudo, depois a gente brinca de tiro ao Sérgio…


Design de Sobrancelhas? Design de bolo?


[Aviso que esta é uma teoria minha, baseada na minha vivência e em alguma leitura, portanto não precisa levar muito a sério. Pesquisando na internet vi que alguns concordam com essa visão, mas futuramente vou procurar referências em autores acadêmicos]

Uma das coisas que separa o DESIGNER de outros FAZEDORES DE COISAS [que casualmente podemos chamar de dezáiners, desingner ou outras variações] é a clara distinção entre projeto e execução.

Lembre-se que, apesar de não se limitar a isso, o termo “design” está intimamente ligado ao conceito de projeto.

É claro que existem exceções para todos os lados, mas a grande maioria dos casos segue este princípio.

Por exemplo:
É percebido um problema resolvível pelo designer. Este cria um projeto levando em conta as diversas causas, as menores consequências, cada detalhe normalmente ignorado e outras inúmeras variáveis envolvidas.

Somente então, com o projeto bem estruturado, passa para a execução, que pode inclusive ser feita por outro profissional.

Quando vemos termos como design de bolo [ou cake design, se preferir], voltamos à primeira questão levantada nesta série de artigos ##, a limitada visão da atuação e das capacidades do designer.

Acredito que aplicações como essa sejam aplicações muito restritas/simplistas para serem chamadas de design.

A ideia de que o “designer” vai só fazer um bolo bonito, pouco importando todo o contexto em que o problema-bolo se apresenta e todas suas possíveis soluções.

Alguém encomendou um bolo de tal forma, com tal tamanho, cores e detalhes. O designer se limita a fazê-lo. Não há uma uma distinção entre as fases de projeto e de execução.



Isso impede que um Designer bom de serviço faça um projeto para um bolo?
Claro que não!
Isso continua sendo design?
Talvez...
E porque com ele é design e com a fazedora de bolos não?
Bem… aí é que a coisa complica…

Posso até ter uma resposta para isso, mas este artigo já está grande demais.


Não duvido que existam profissionais como maquiadores [make design?] que graças a conhecimentos em diversas áreas como estética, teoria das cores e anatomia levam em consideração inúmeras variáveis para desenhar a sobrancelha ideal para cada cliente, mas não é o que vemos comumente por aí.

A discussão se este profissional pode ser chamado de designer seria muito válida, mas nosso foco aqui é outro. Vamos deixar para outro dia, se quiserem ;)

Mas já sabem da minha opinião…

...

Esses designers, na prática, no dia-a-dia, são simplesmente pessoas que retiram fios não desejados das sobrancelhas alheias, para no final simplesmente fazer algo mais bonito, bem feito ou realçar a forma já existente.

Por mais que de fato o façam muito habilmente na maioria dos casos, não existe mudança, não existe complexidade nem projeto. Só execução.

E o mesmo vale para bolo, unha, cabelo, maquiagem [está percebendo uma tendência aqui?], e outras especialidades que nem nunca ouvi falar.

Isso não se limita apenas a profissionais da estética ou da cozinha. No design gráfico temos um exemplo similar: O diagramador.

O diagramador pode ser um designer?
Pode
O que ele faz no dia-a-dia?
Adequa determinado conteúdo [texto e imagens] a um formato [jornais e revistas], seguindo uma série de regras pré-estabelecidas.
E isso por si só é design?
Não.

Alguns podem dizer que posso estar parecendo injusto.

Vamos então pensar em como seria o processo completo de um projeto de design de unhas…

Uma cliente chega, querendo pintar as unhas. Mais do que isso, ela quer fazer algo diferente dessa vez.

A nail designer então faz algumas perguntas e sugere um desenho. A cliente topa e partem então para a execução.

Findada a pintura, podemos perguntar à profissional:

  • Porque ela fez aquele desenho?
  • Porque escolheu essas cores?
  • Porque fez determinado acabamento?
  • E aquele detalhe da unha diferente?


Se as respostas forem: porque a cliente quis, gosta ou está super in, me parece que não estaremos diante de uma designer…

No máximo uma hábil desenhista de unhas.

Isso porque ainda não pegamos pesado nas perguntas:

  • Quais mensagens você passou em seu trabalho?
  • Você sequer cogitou a ideia de que uma unha bem feita não fosse a coisa mais adequada para as necessidades da cliente?
  • O que você poderia ter feito de diferente para a cliente?




Percebem?


Pessoalmente acredito que isso possa ser design caso esteja inserido em um contexto maior. Como a criação de um personagem, figurino, ou até a aparência de uma pessoa [visagismo], por exemplo.

Isso proíbe alguém a se especializar tanto que possa ser de fato chamado de designer de unha?

Alguém especializado em fazer somente o mesmo tipo de coisa, com o mesmo estilo, pode ser chamado de designer???

Tá, agora deu nó, né?




E o sobrinho?



Há quem diga que a existência dos famosos “sobrinhos” [filho da vizinha, e outras variáveis. Alguém razoavelmente jovem e próximo, geralmente mais íntimo de computadores e que sabe mexer nos programas] e dos chamados micreiros [um profissional que sabe mexer nos programas] é a causa de todos os importunos.

Eu sei que já os incluí em uma lista anterior ###, e pode parecer contraditório, mas não acho que a existência deles em si seja a causa dos problemas.

Acredito que a existência desse grupo profissional é [em parte] válida porque existe mercado para todos.

Agora, se formos falar da proliferação e dominação do mercado por parte desse pessoal, aí sim podemos ter problemas.

[Sei que estou exagerando quando digo ‘dominação do mercado’, talvez o mais certo seria ‘generosa fatia de mercado’ ou coisa assim :P ]

É importante perceber que isso é consequência da falta de cultura visual e do conhecimento das reais capacidades de designers capacitados.

Novamente caímos no problema que surge quando o empresário desconhece o que é um trabalho de qualidade e/ou se acostuma com um nível menor nas entregas dos ditos “profissionais” e passa a acreditar que esta é a norma.

Este exemplo nos revela outro ponto: Nem todo problema necessita de um designer bom [e caro] para resolvê-lo.

Não podemos proibir um micro-empresário com pouco capital de investir em design. Mesmo que não seja trabalho tão bem elaborado quanto poderia ser.


Como sempre digo:
Todo cliente tem o profissional que merece, que necessita, ou que pode pagar.


1- Todo cliente tem o profissional que merece:


Como já foi dito, existem clientes que não investem em design por acreditar que é um custo alto e desnecessário. Que apesar de saber das vantagens, incluindo as comerciais, não acredita ou não tem coragem de investir.


Esse é o cara que pode, sabe do que estamos falando, mas não quer.


2- Todo cliente tem o profissional que pode pagar:


Nem todo cliente tem fundos suficiente para investir em um profissional caro e que sem dúvidas resolveria seus problemas.


Isso é plenamente aceitável e não deve ser empecilho para investir em um mais barato, que resolva os problemas parcial ou momentaneamente.


O dono de uma barraquinha de cachorro quente provavelmente nunca vai conseguir pagar um escritório renomado, mas sim ao vizinho dele que “mexe com essas coisas”.


3- Todo cliente tem o profissional que necessita:


No exemplo anterior, suponhamos que o senhor cachorro-quente por acaso conseguisse verba suficiente para pagar o dito escritório renomado de design para fazer a marca, placa e cardápio da barraquinha.


Ficaria lindo, pode acreditar.


Pagaria o investimento?


:/


Quais vantagens haveria em uma lojinha do centro da cidade contratar o melhor designer do Brasil ao invés do Zé das Couves que fez um cursinho de uma semana em algum software?


Faria diferença no resultado final da peça? Sim, sem dúvida.


Essa diferença traria muito mais retorno financeiro e justificaria o investimento?


Provavelmente não…


Não se não viesse acompanhada de investimentos em outras áreas, mas deixo essa discussão para outro post [de novo…]


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Sobre o Design - Parte III

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Problemas do design



Se perguntar a opinião de algum estudante de design [qualquer tipo], ele responderá que o design é lindo, que deveria ser matéria obrigatória em todas as escolas, que faz tudo ficar melhor e é a solução de todos os problemas da humanidade.

Mas infelizmente a gente vive em um mundo real, e nem tudo na vida são flores…

Nós, profissionais treinados, nos deparamos todos os dias com aplicações pouco eficientes, desnecessárias, forçadas, erradas, inapropriadas, excessivamente custosas, de baixo retorno, mal direcionadas [público errado], mal executadas [má qualidade], mal elaborada [conceitos e soluções fracos] e mal aplicadas [soluções ‘prontas’ aplicadas em outros projetos].

Na minha opinião, muitos casos em que o design não é bem sucedido são consequência da realidade em que se encontram. São muitas vezes reflexo da maneira como os designers recebem os problemas, da forma com que são direcionados às soluções e das condições próprias que têm para desenvolver seu trabalho.

Isso tudo porque de maneira geral, o design, e por consequência o profissional de design, são pouco valorizados.


Na prática – e digo baseado basicamente na minha experiência profissional e na experiência de profissionais próximos – o design é encarado como estética; arte final; execução ou simplesmente “pôr no papel a ideia de quem está contratando” [e exatamente da maneira que foi imaginada].

Em suma ele é tratado como uma ferramenta operacional para setores já melhor estabelecidos em uma empresa [como engenharia,  publicidade e marketing], e subordinada a estes.

Acredito que esta desvalorização, se deve, em grande parte por causa alguns pontos*:
[Nesta lista provavelmente estarei puxando sardinha mais para o design GRÁFICO, mas acredito que possa servir para outros também]

  1. A facilidade com que as chamadas tarefas mecânicas [trabalhos pouco exigentes, mas que fazem parte da rotina dos profissionais de design] e os trabalhos rasos e pouco adequados podem ser feitos por qualquer pessoa com um mínimo de instrução. Basta ter um computador com os devidos softwares e um pouco de paciência para aprender;
  2. Esta facilidade possibilita a entrada de profissionais não qualificados no meio. Esses profissionais se limitam a realizar somente as tarefas simplórias, em um nível raso, e nada além. Essa limitação difundida cria uma noção errônea de que este é o nível de trabalho normalmente realizado por todos os designers, inclusive pelos mais gabaritados;
  3. Falta de compreensão da diferença entre o trabalho de design e áreas análogas, como a publicidade, arquitetura ou engenharia. Se para o cliente há uma má delimitação entre as áreas, ele não saberá qual o profissional mais adequado para determinado projeto, e por ignorância acaba recorrendo aos mais tradicionais;
  4. A diferença de valores assusta os mal avisados. Um bom design não é caro, já que muitas vezes se paga. Mas um design mal feito, independente de quem o faz [e várias agências famosas reduzem a qualidade do serviço para baixar o preço] é normalmente mais barato, e isso sempre atrai clientes;
  5. A falsa ideia de que Design é para grandes empresas ou para gente rica. Acredito que este conceito seja uma combinação do ponto anterior [o custo] com a imagem de design ser uma coisa sempre arrojada, que não combina com a linguagem popular. Gente, põe na cabeça que um bom design é o que ele for preciso ser. Arrojado ou popular, grande ou pequeno, colorido com bolinhas brancas, amarelo, azul ou até uma tela em branco.
  6. Por trazer vantagens muitas vezes imateriais, indiretas, difusas e que permeiam diferentes áreas da empresa, há uma grande dificuldade de medir o retorno financeiro de um bom design para comprovar que ele é investimento, e não apenas custo;
  7. Mais ainda, porque o dono do projeto não percebe a diferença entre o trabalho bem feito e o trabalho mal feito. Por hora pouco importa o motivo. Pode ser por falta de conhecimento de bons projetos ou porque está habituado com profissionais não qualificados [ponto 2, logo acima]. O importante é que ele não percebe a diferença entre alternativas boas e ruins.
* Ajude a aumentar esta lista! Além destes, quais outros pontos merecem destaque?

Um bom design é o que ele for preciso ser.

Temos assim um sistema que se retroalimenta. Uma verdadeira bola de neve:
Os contratantes precisam do trabalho de um profissional da área. Os profissionais [seja por limitações de custo ou por incapacidade] se limitam a fazer o básico em trabalhos simplórios. Por não perceber a diferença de qualidade entre serviços de alta qualidade com os de baixa qualidade, o executivo acredita que aquilo é tudo o que se pode [ou que se precisa] fazer. Ao contratar novos profissionais, irá procurar aqueles capazes de continuar fazendo mais do mesmo, com a mesma qualidade. Este novo profissional, mesmo os devidamente formados e capazes, mais uma vez se mantém no básico, não desenvolvem novas capacidades nem exploram novas possibilidades. Se limitam a fazer o básico, qualquer coisa que sirva, que para quem os contratou está satisfatoriamente bom.

A este ciclo podemos ainda adicionar pequenas variações, como o contratante receber um trabalho de qualidade, mas como não percebeu retorno financeiro, da próxima vez irá investir menos. Pode também não haver um retorno financeiro por culpa de algum erro do projeto [afinal design não é uma matéria exata]. Existem casos em que o contratante não tem dinheiro para investir no início de seu negócio, procura um profissional mais barato e fica satisfeito com a qualidade do trabalho, e não procura melhorar futuramente. Temos ainda a presença de designers que são apenas bons em vender, mas não em executar o trabalho…


As variáveis são inúmeras.



Este processo é sim um grande problema, possivelmente o maior deles, mas com certo esforço pode ser quebrado.


Acredito que para mudar este cenário, devemos trabalhar em cima do último ponto da lista anterior e focar em quem contrata e em quem recebe os produtos.

Neste sentido falta o que chamamos de educação visual. As pessoas não têm discernimento entre projetos bons e ruins. E é em cima disso que precisamos trabalhar, divulgando nosso trabalho, mostrando bons exemplos, explicando o que e porque foi feito, comparando antes e depois, etc.

Ao educarmos ambos clientes e consumidores, estes passarão a exigir melhores entregas por parte de seus profissionais de design.

Consumidores exigentes, não se contentam com qualquer produto. Eles querem algo adequado às suas necessidades. Necessidades estéticas e funcionais. A era de ter que se adaptar aos seus produtos já não existe mais.

Este público demanda por projetos bem elaborados desde sua concepção até a execução. Eles querem produtos belos, ergonômicos e que funcionem melhor do que os anteriores. Querem entender tudo o que uma embalagem tem que dizer. Querem poder entrar em um site e encontrar informações relevantes para si de maneira fácil. Querem entrar em uma loja e sentir facilidade de circular, encontrar o que quer de maneira natural.

Empresas espertas devem responder a isso.

Ao procurar profissionais de design mais capazes, o executivo ganha a possibilidade de elevar o nível de qualidade de seus produtos, o que por si só já é bom. Destaca-se no mercado.


Mas ao compreender as capacidades e limitações do design, exigir melhores entregas, acreditar em seus profissionais, ser ousado e dar espaço para a criação ele passa a receber o máximo que o design tem para lhe oferecer.

Um trabalho bem elaborado e executado. Um produto que agrada aos usuários tanto em estética quanto em função. A qualidade, a facilidade, a novidade atraem, e o público retribui o investimento fazendo uso de seus serviços/produtos.


Esta atitude elevará em pelo menos um ponto o nível da discussão.

Provavelmente assim iniciaremos a divisão entre os trabalhos de qualidade e os “quebra galhos”.




No próximo texto quero criar polêmica ;]
Até semana que vem


Abraços!

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